Houve cinco mortos por conta das inundações nas cidades de Maputo e Matola, milhares de pessoas afectadas, casas quase engolidas pelas águas e abandonadas e vias de acesso cortadas. Ainda assim, o INGD entende que o sistema de alerta evitou que o pior acontecesse. Aliás, as pessoas que engrossam as estatísticas dos afectados foram avisadas, mas negaram sair das zonas de risco para proteger os seus bens.
Na semana passada, concretamente, nos dias 24, 25 e 26 de Março, a natureza entrou “em fúria”, na zona Sul do país. Maputo, Gaza e Inhambane estiveram sob fortes chuvas, mas os impactos foram mais notórios no primeiro ponto (Grande Maputo).
Muitas famílias entraram em desespero. Houve cinco mortes. As estradas foram cortadas. Casas quase engolidas pelas águas e muitos bens arrastados pela correnteza das águas. As famílias lamentavam. Clamavam por socorro.
Diante de tudo isto, muitas perguntas. A principal delas é: era possível evitar esta situação ou, pelo menos, minimizar os seus impactos? Sábado, 23 de Março: um aviso de mau tempo é emitido pelo Instituto Nacional de Meteorologia, INAM.
“Para este fenómeno, que aconteceu na zona Sul, nos dias 24, 25 e 26, o Instituto Nacional de Meteorologia já havia emitido, na tarde do dia 23 de Março, um alerta sobre a ocorrência de chuvas e trovoadas fortes na zona Sul”, recordou Júlio Langa, meteorologista do INAM.
E todos os que deveriam trabalhar para minimizar os impactos desta tragédia, incluindo os governos municipais, sabiam da ocorrência do fenómeno.
“Todas as autoridades, incluindo o INGD, já tinham sido alertadas pelo Instituto Nacional de Meteorologia, através de canais próprios”, revelou Júlio Langa.
Um alerta que não foi suficiente para evitar o drama provocado pelas chuvas. “Estamos mal com água. Não temos comida. Não temos nada para comer. Na minha casa está cheio de água. É difícil ter acesso ao quintal”, contou Ana Inácio, uma das vítimas das inundações.
São chuvas de três dias que criaram um grande drama humanitário nas cidades de Maputo e Matola. Casas foram destruídas, abandonadas e milhares de famílias deslocadas por conta das chuvas. Buscava-se um abrigo longe das inundações, até na linha férrea. As outras vítimas das inundações urbanas estão nos centros de acolhimento, onde se queixam de tudo e mais um pouco.
Mas tudo isto era evitável? O Instituto Nacional de Gestão e Redução do Risco de Desastres na Cidade e província de Maputo diz que fez de tudo para proteger as pessoas dos impactos da última chuva. Por exemplo, sensibilizou as famílias para saírem das zonas de risco através de vários mecanismos, só que as pessoas foram renitentes.
“Se não tivéssemos os comités locais de gestão de risco de desastres a funcionar, não tivéssemos os centros operativos de emergência e o conselhos técnicos de gestão de desastres a nível do distrito da província e a nível central a funcionar, se não tivéssemos um sistema de aviso prévio que funcione, os danos seriam sido muito maiores”, afirmou Sara Matchie, delegada do INGD na província de Maputo.
Mesmo para o número de pessoas que foram afectadas pelas inundações, há uma explicação. “As chuvas foram acima de 160 milímetros em 24 horas durante três dias consecutivos. Então, é muita quantidade de água, apesar de as pessoas estarem informadas e terem sido tomadas as medidas, elas (as pessoas) foram apanhadas de surpresa, mas não porque não sabiam que haveria de ocorrer este fenómeno extremo”, explicou Esselina Muzima, delegada do INGD na Cidade de Maputo.
E foi através de mensagens como estas que o Instituto Nacional de Redução do Risco de Desastres alertou sobre a aproximação do mau tempo. O INGD afirma que o sistema foi eficiente, mas as famílias afectadas não abandonaram as zonas de risco para proteger os seus bens.
“As pessoas só se retiram quando vêem o perigo, porque elas têm bens por proteger. É sua responsabilidade cuidar dos seus bens. Alguns não tinham saído quando a chuva começou, porque estavam à procura de um local para conservar todos os seus bens”, observou Esselina Muzima.
E o INGD não tem como forçar as famílias a abandonarem as zonas de risco. “Nós só podemos sensibilizar as pessoas, comunicá-las do perigo que está a acontecer, mas às vezes algumas acatam e outras esperam para ver”, referiu Sara Matchie. Porque, segundo o INGD, as famílias não acataram as mensagens de sensibilização, muitas casas ficaram inundadas e milhares de pessoas foram afectadas.
“A estrutura do bairro não nos informou sobre a aproximação do mau tempo, mas, uma vez que temos rádio e televisão, tivemos a informação através destes meios. A partir daí, começamos a precaver-nos, mas não foi fácil, porque não esperávamos que fosse nesta dimensão”, contou Rosa Maolele, vítima de inundações no Município da Matola.
Mesmo depois de receber a informação, há quem ficou à espera até que a chuva caísse para proteger os seus bens. “Lá nas nossas casas, há roubos. Nós soubemos sobre a aproximação do mau tempo, mas, sempre que há esse tipo de alerta, não acontece nada. Por isso, nós não abandonámos as nossas casas”, explicou-se Graciete Cumbe, residente no bairro do Infulene Luís Cabral, cidade da Matola.
Entre as vítimas, há quem não recebeu nenhuma informação sobre a ocorrência das enxurradas e esperava por uma intervenção do INGD, em vão.
“Eu fiquei admirado, porque noutras zonas há sensibilização do INGD, mas desta vez não fomos informados”, disse Eduardo Lourenço, vítima das inundações no bairro Luís Cabral.
Sem informação, criou-se um espaço para especulações. “Ouvimos boatos. Disseram que iria chover, mas não acreditámos. Só saímos das nossas casas quando vimos que a água já estava a invadir as residências”, narrou Amélia Ubisse, outra vítima de inundações.
Porque falhou a prevenção, resta ao INGD remediar os impactos das últimas enxurradas, através da assistência a mais de 10 mil pessoas que estão em 30 centros de acolhimento na Cidade e Província de Maputo, através da disponibilização de produtos alimentares e não alimentares.
FAMÍLIAS NAS ZONAS DE RISCO: AS MAIORES VÍTIMAS
A população que mais sentiu os impactos das últimas chuvas é a que vive nas zonas ribeirinhas ou vulneráveis a inundações. Há, inclusive, nestes locais, placas que proíbem construções, por serem áreas de risco. Ainda assim, as pessoas fixaram residências, que têm água e luz, sob o olhar impávido de quem gere o solo urbano das cidades de Maputo e Matola.
As pessoas que vivem em zonas propensas a inundações estão sempre com o coração na mão, sobretudo quando chove.
“A minha casa estava cheia de água. Todos os meus pertences molharam, incluindo a comida”, contou Elsa Carlos, mais uma vítima.
Mulher de 32 anos e natural da Zambézia, Elsa foi obrigada a abandonar a sua casa, construída numa zona de risco. Ela comprou o terreno há sete anos. “Consegui o espaço à minha maneira. Eu e o meu marido trabalhamos. Então, começamos a juntar dinheiro para adquirir o espaço. Estava muito barato quando o comprámos”, detalhou.
Os que vivem em zonas de risco já mapeadas compraram os terrenos de alguém que o chefe de quarteirão muito bem conhece, inclusive os perigos de viver nessas áreas.
“Não temos condições para conseguir um terreno que não esteja em zona de risco. O terreno onde vivemos, comprei, e o chefe de quarteirão sabe que nós o comprámos, mas disse para não contarmos a ninguém, porque isso não é permitido. Ele disse que estava a ajudar-nos”, revelou Sílvia Ângelo, que vive numa zona propensa a inundações.
Alguns desses sítios foram integrados em alguns bairros há pouco tempo. “O bairro onde vivemos, perto da Portagem de Maputo, pertence ao Trevo, município da Matola. Esse é o nome que aparece nos documentos que solicitámos ao chefe do quarteirão para tratar água e luz”, esclareceu Francisco Eusébio, também residente numa zona de risco.
Sobre a construção de casas em zonas propensas a inundações, desobedecendo às placas de proibição, o INGD diz que a sua intervenção está limitada.
“Quando há uma ocupação das zonas de risco, desencadeia-se um processo, porque as pessoas não podem viver em constante perigo. O INGD pode chamar atenção para que os municípios tomem medidas”, observou a delegada do INGD na Cidade de Maputo.
E a delegada da mesma instituição na Província de Maputo, Sara Macthie, diz mais: “Não temos como obrigar as pessoas. Só podemos sensibilizá-las a abandonar as zonas de risco, e sentimos que isto está a produzir resultados. Já há um plano de retirada de pessoas nas cidades de Maputo e Matola”.
O Município da Matola justifica a construção de casas em locais propensos a inundações com o que chamou de êxodo rural. Mas há um trabalho para evitar que estas situações se repliquem.
“Estamos a instar as autoridades, desde os chefes de 10 casas, de quarteirão, secretários do bairro, chefe do posto, até a polícia municipal, para não estare ausentes do território. Não pode haver vazio no controlo do território. As famílias não podem, por elas, fazer a densificação dos bairros”, avançou Júlio Parruque, presidente do Município da Matola.
Para travar o fenómeno, o Município da Matola promete tomar medidas mais arrojadas.
“Quando for necessário demolir algumas casas, nós não iremos hesitar. Vamo-nos entender com as pessoas e com as entidades para podermos gerir as águas. É um trabalho que faremos com responsabilidade e tranquilidade”, concluiu.
Contactámos o Conselho Municipal de Maputo para falar sobre a ocupação das zonas vulneráveis a inundações, mas não houve sucesso.
O facto é que este fenómeno é, também, característico da capital do país, onde até o mangal é abatido para dar lugar a construções de luxo, agravando ainda mais a situação de inundações urbanas.