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O mundo blue (concreto e abstracto) de Pedro Pereira Lopes

Às vezes no próprio coração da palavra se reconhece o silêncio.

Clarice Lispector

 

 

A abordagem deste artigo bem poderia incluir outros três livros de Pedro Pereira Lopes: Viagem pelo mundo num grão de pólen (poesia), O mundo que iremos gaguejar de cor (contos) e mundo grave. O que estes títulos têm de comum é evidente. A questão que se coloca é: por que quatro livros do ficcionista e poeta têm a palavra “mundo” no título? É uma pergunta que nos interessa responder, mas não hoje, afinal há um livro novinho por apreciar: mundo blue (ou o poema em quarentena), recomendável, no qual cabe a visão do universo de um autor fértil na exploração e na subversão das questões orgânicas da existência.

Mais do que um livro poético, a nova proposta literária de Pedro Pereira Lopes é uma viagem múltipla sobre as questões concretas e abstractas. Nesse trajecto pelos planos tangíveis e irreais, (im)possíveis e desejáveis, o poeta parte de um exercício quieto e pessoal, evidentemente, implicado a uma série de elementos externos que o interessa captar. Há algumas consequências nisso, pois, por exemplo, se no coração da palavra se reconhece o silêncio, nessa condição emana uma sequência de amostras a atribuírem ao verbo o poder da configuração da imagem. E a imagem, aqui, não é inerte. Pelo contrário, a voz enunciadora a impende de ser, ao exprimir-se como se a imergir-nos na memória da paisagem semântica. Nisto tudo a acção da palavra em movimento lento, continuado, é um acto irreversível. Logo, este mundo blue se compromete a percorrer lugares como Costa do Sol, Inhaca, Chiveve e Lilongwe, absorvendo nesses ambientes pormenores naturais e emocionais, dando às cores outras tonalidades numa combinação mista de perspectivas admissíveis sobre os horizontes. Pleno e consciente… a alusão aos lugares pelos sujeitos de enunciação inscreve-se numa espécie de diálogo connosco, sempre mantendo intermitentemente uma dimensão telúrica na escrita.

No plano concreto, além dos lugares revisitados, visualizamos propósitos poéticos projectados em movimentos (horizontais e verticais) e alguns reconhecimentos aos nomes e às obras desses homens que, igualmente, dão vida à versificação: “os escritores são raça estranha/ mas enfadonha seria a vida sem eduardo white/ sangare okapi ou álvaro taruma” (p. 21), e, igualmente, acrescentamos nós, sem Clarice Lispector, Omar Khayyam e Craveirinha, outros autores referenciados no livro.

mundo blue é um exercício singular, que apalpa os sentidos abstractos do que a palavra em silêncio consente. No seu plano demiúrgico, com faculdades ulteriores, o poeta exprime-se e sujeita-se às sensações para compor infinidades: “ateio a fé do primeiro passo e/ choro para edificar luares” (p. 18). É nas lágrimas invisíveis que se enxerga a dor, as perdas, as discordâncias, o desejo do céu, esse lugar fecundo para tantas invenções, e a angústia estampada na saudade do tempo, do ser, do clima e do que está por vir: “tenho saudades do futuro/ sou homem com saudades de mulher sem cais/ deverei falar aos deuses da minha saudade?”. E uns versos depois desses: “na segunda-feira o céu caiu/ tive saudades da chuva com trovoadas na quarta” (p. 25).

Este exercício com pendor lírico intangível e visual divide-se em duas partes, designadamente, “à beira da ilha: choviam meteoritos no mar” e “névoa seca”. Ambas as partes interligam-se (sem descontinuidades), tecendo histórias não desenroladas. Temos narrativas nos versos de mundo blue, pássaros, mar, sol, luares e até o verso como acto libertário: “sou livre/ quando in-con-ti-do/ o poema/ nasce” (p. 50).

Os que consideram Pedro Pereira Lopes um dos autores em ascensão mais interessantes de Moçambique, de facto, têm neste mundo blue razões suficientes para alimentarem as suas expetactivas.

 

Título: mundo blue (ou o poema em quarentena)

Autor: Pedro Pereira Lopes

Editora: gala-gala

Classificação: 15

 

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