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A nomeação

Por: José Paulo Pinto Lobo

 

Agora que me apresentei, convém explicar como fui parar à direcção da FAMOL – Fábrica de Automóveis de Moçambique, Lda., a tal linha de montagem de camiões e manufactura de caixas de carga na Machava, vizinha da Socimol e do então Aviários Paula.

Tive a honra de ser nomeado numa reunião geral de trabalhadores, sob a orientação de Marcelino dos Santos e Prakash Ratilal, numa situação inusitada e algo caricata.

Na época trabalhava na Direcção dos Serviços de Indústria, na Praça 7 de Março hoje Praça 25 de Junho, onde ingressei em 1978 a convite de um dos meus professores da Faculdade de Economia, Ventura Leite, integrando a equipa da Célula Técnica da Metalurgia e Metalomecânica e, por inerência da função, acompanhava as fábricas deste sector. Das que me recordo para além da FAMOL, Indústria Costa e Incar, boas amizades fiz com pessoas de outras fábricas, muitas das quais também desaparecidas, como a MAQUINAG, Ciclomotores, Fábrica de Bicicletas, Fábrica de Calços TED, Forjadora, L. Duarte dos Santos.

Tendo sido convocado para a dita reunião, sentei-me ao fundo da sala ao lado do meu primo Jorge Eurico, com o intuito de passar o mais despercebido possível, até porque não estava trajado à altura das circunstâncias. Apenas umas calças jeans Wrangler e camisa de capulana aos quadrados, ao menos de manga comprida, típico da irreverência de quem tinha acabado de completar 21 anos, como diria um outro primo meu, o Carlos Eduardo.

Decorria a reunião, com a apresentação das queixas dos trabalhadores contra a Comissão Administrativa que na altura dirigia a fábrica, secundada por um rol de acusações por parte das estruturas presentes, que concluíram com a demissão imediata e prisão dos três membros da referida Comissão.

Eis se não quando, Marcelino levanta-se faz uma prelecção inicial sobre a justeza da luta dos operários e da necessidade de defesa da indústria nacional, proclamando que iria nomear um quadro da confiança do Partido e com a adequada capacidade técnica. Em surdina e galhofando, auscultei o meu primo Jorgico sobre quem seria o tão competente desgraçado que iria assumir a direcção daquela empresa, sob a lupa de tão aguerrida e reivindicativa classe operária e que também se arriscaria a ir bater com os costados na prisão.

– José Paulo da Fonseca Pinto Lobo, é o novo director da FAMOL, apresente-se e chegue-se aqui à frente, junto da mesa.

Ainda olhei em redor e perscrutei a assembleia presente, esperançado na existência de um sósia ou um homónimo, já que nem sequer era membro do Partido, mas nada a fazer, era eu mesmo, o próprio, o tal desgraçado, nomeado sem sequer ter sido previamente consultado ou pelo menos informado dessa intenção. Ao menos a fama de competente já tinha. O pior seria ter de comprovar o merecimento de tal epíteto.

Levantei-me que nem um condenado às galés e lá fui palmilhando o corredor entre as cadeiras, sob o olhar reprovador de alguns dos camaradas presentes, certamente porque nem uma balalaicazinha tinha sido capaz de vestir.

Melhor ainda só a minha nomeação para director das Carroçarias Indústrias Costa, Lda. e Incar; Sociedade Construtora de Serralharia e Mecânica, Lda. Uns meses após esta reunião na FAMOL, fui chamado ao Ministério da Indústria pelo camarada Secretário-Geral. Este entregou-me um Boletim da República onde constava a minha nomeação para director das duas empresas e desejou-me boa sorte no desempenho da tarefa.

Assim, aos 21 anos vi-me repentinamente director de três empresas.

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