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Por: Eduardo Quive

 

A peça “O embondeiro que sonhava pássaros”, exibida na passada sexta-feira, no Centro Cultural Franco-Moçambicano, teve em palco os astros do teatro nacional a contracenar as nossas esperanças e certezas. Uma obra escrita e encenada por Evaristo Abreu e inspirada num conto de Mia Couto. Esta peça fez mais do que dar teatro ao público, reabriu um drama da cultura moçambicana, o debate sempre adiado e o descortinar de um futuro cheio de incertezas. Muito tem se falado destes tempos como a grande dúvida, Lipovetsky (1983) chegou mesmo a escrever o ensaio “A era do vazio”, onde parecer é ser, tudo é efémero, passa tão rápido que sequer chegou a acontecer. Mas já lá vamos, primeiro, exaltemos o espectáculo que, de certeza, mostrou-nos que a alma do teatro moçambicano está em chamas e que todas as gerações dão-nos garantias.

Ver em palco Adelino Branquinho, Yolanda Fumo e Elliot Alex, a contracenar com Horácio Guiamba — que já não tem mais nada a provar —, Fernando Macamo e Lucrécia Noronha, estes dois que já performaram em alguns espectáculos e a estudante Shércia Carolina que se mostrou à altura do desafio, é um acontecimento marcante. São actores de gerações diferentes, o que deixa à vista que o teatro vive, sobrevive e pode ganhar outras vidas, como por exemplo, o facto de as salas de teatro estarem em extinção ou a servir para outros fins, a falta do necessário apoio institucional e mecenas, tudo isto, curiosamente, quando já há um curso superior de teatro e muitos actores à disposição.

Em palco estava o passado que facilmente se confunde com o presente e, se não houver “vigilância” —  os acontecimentos diários mostram isso — pode se repetir esse passado tenebroso: escravatura, exploração e segregação. O resto é actual, as personalidades feitas de ira – de fúria irracional —, a coisificação do outro, o racismo, a bajulação e o cumprimento de ordens sem questionar. Em meio a tudo isso há um belo que se não vê: o encanto na natureza, nas coisas simples como os pássaros de várias espécies a voar livremente e a cantar para os humanos tomados pela insanidade instalada, o tempo que nos falta para contemplar de forma desinteressada o belo, mas também a classificação dos seres. Como pode uma criança branca brincar com uma negra? Como se não bastasse, falarem a mesma língua, apreciarem a mesma natureza e ainda mergulharem nas realidades de cada sociedade. A partir do diálogo dessas duas personagens, a preta e cuidadora de pássaros — Yolanda Fumo — e a criança branca — Shércia Carolina — encontram-se dois mundos: no mundo dos brancos representado por Adelino Branquinho, sempre zangado, com o chicote e a esbracejar “igual a uma coruja”; e, por outro lado, estão os pretos, representados por Yolanda Fumo, que compreende o desejo e a essência dos humanos, igual aos pássaros, nascidos para serem livres.

É uma família dominante, branca, vive amargurada e na encruzilhada do racismo, sobretudo por se julgar uma classe superior, que tem o direito à terra, os recursos, incluindo as pessoas pretas que são objectos de uso, força bruta, sem sequer capacidade de raciocinar — Elliot Alex, Fernando Macamo e Lucrécia Noronha —, que vai se ver desestruturada por uma criança que decidiu ignorar as diferenças, olhou com os olhos inocentes de uma criança o mundo à sua volta.

É possível ler-se os papéis de Elliot, Fernando e Lucrécia nas entrelinhas das personagens da vida real, capazes de aplaudir e executar tarefas sem questionar, por vezes, com danos sobre gente da mesma classe social que a sua. A ideia de estar com quem manda e que faz pensar que temos poder e por isso os outros seres humanos não valem nada, está muito bem representada.

O narrador Horácio Guiamba conseguiu ser o pivô da trama, sem deixar que ela se transformasse numa história contada, antes, um elemento para conectar os acontecimentos que ocorrem num ritmo frenético. Escusado é dizer que começa a ser moda o narrador Horácio Guiamba em palco (o actor cumpriu quase o mesmo papel em “Aqueles dias da rádio”, musical dirigido por Zé Pires). O acompanhamento musical de Cheny wa Gune e Xixel Langa foi certeira por torná-los presente no espectáculo, preencheu as cenas.

Foi, em suma, um trabalho ao nível do senhor de teatro que é Evaristo Abreu. O que nos leva à questão seguinte.

  1. As condições em que a peça foi exibida foram as melhores possíveis, é verdade. Aliás, não é em vão que o CCFM é dos melhores espaços culturais da cidade. Porém a sala grande não foi capaz de dar as condições que o teatro precisa: a acústica necessária para a projecção das vozes, para que as palavras sejam ouvidas e compreendidas. Apesar de todo empenho e esforço até, muitas foram as palavras que coube ao espectador mais atento tirar as certezas se foi dito. As falas de Adelino Branquinho, por exemplo, e até do Elliot Alex, foram disso exemplo. O Horácio cuja presença era sobretudo em discurso, não sei se não lhe sobraram dores pelo esforço para se fazer ouvir. E, aliado a tudo isso, como havia a voz no microfone e os instrumentos musicais, o desnível foi evidente. Ao contrário do que se viu e se vê com os especáculos do género quando acontecem no auditório. Esse, sim, era o sítio indicado.
  2. O cenário podia ser melhor, a sensação de um imenso vazio é inquietante. Sim, é a nossa realidade, fazer muito com pouco, mas foi notável o sofrimento dos actores naquele palco, ora à procura de prencher espaços ou a cuidarem para não se deixar derrubar nas poucas coisas ali presentes, porém de uma precariedade patente. Por outro lado, foi como se aqueles elementos fossem estranhos aos actores. Não será pelo tempo de ensaio com o cenário do espectáculo?
  3. Quando vai parar a sina de ver só uma vez os bons espectáculos de teatro, penso eu com os meus botões enquanto oiço os murmúrios dos espectadores. Compreendo as várias razões por detrás das instituições e do cenário artístico nacional, mas é um desperdício dos níveis de quem deixa uma torneira aberta com a água a escorrer pelas areias. Não é assim só com este espectáculo, foi assim com “Aqueles dias de rádio” (2023), por exemplo, uma das melhores obras de arte em palco que se produziu nos tempos actuais. Como é possível um elenco daquele nível, os ensaios de meses, a publicidade feita — a acrescer a que continua a ser feita por via de comentários positivos dos que viram o espectáculo — resultar em apenas uma apresentação? Será que o custo de uma repetição é maior que o de tudo o que se investiu para conceber o trabalho? Esta questão não é dirigida ao CCFM, é sobretudo uma reflexão que todo o sector cultural deve fazer. Um pouco por todos os centros culturais os espectáculos são exibidos só uma vez, nunca percebo as razões, mas se elas se prenderem com o factor “oportunidade para todos”, “cabimento orçamental” ou “público”, então é uma questão talvez mais fácil de resolver. Mas se a razão for do tipo fazer muito eventos e acolher a todos ou for por importar os hábitos da música para o teatro, então a situação é grave. Enquanto a música pode ser gravada e ouvida através de várias plataformas, a qualquer momento, o teatro precisa de palco para ser visto, e o bom teatro, ainda mais.

Quando a arte é exposta desta maneira, incorre-se ao risco de banalizar-se o talento, o trabalho árduo e comprometer o profissionalismo nas artes, como analisa Mário Vargas Llosa em A Civilização do Espetáculo (2012).

Pensar em tudo isto, na esteira de “o embondeiro que sonhava pássaros”, que instiga a memória colectiva, revisita a história, reflecte a contemporaneidade dos comportamentos, das trivialidades e desperta-nos para uma sociedade em modo loop — as diferenças entre classes, o medo de sonhar, os limites às liberdades —, é no mínimo exercer o próprio papel do teatro, despertar-nos para o drama da vida, dos indivíduos, das sociedades, enfim, levar ao palco os nossos dilemas e contextos.

Um trabalho como o visto no dia 12 de Abril de 2024, deveria ser possível revisitá-lo, pelo menos, mais três vezes. Ao contrário disso, quando tudo é dado assim, aos bocados, honestamente, é fácil cair na banalidade, no vazio enfim, no esquecimento.

 

 

 

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Os combatentes da Renamo dizem que o comportamento de Venâncio Mondlane, de levar o partido ao tribunal, é escandaloso, vergonhoso e não faz parte da essência da formação política.

Afinal, Venâncio Mondlane não tem apoio dos antigos combatentes da Renamo para candidatar-se à presidência do partido. O braço armado distancia-se das acções de Mondlane, chamando-as de vergonhosas e escandalosas.

“Acompanhamos atentamente os acontecimentos dos últimos dias, em que um membro do partido levou o partido ao tribunal, um acto que nos escandaliza, envergonha e desmoraliza toda a nossa luta, uma acção que não faz parte da nossa essência pelo que consideramos que este acto de afronta ao sangue derramado por muitos dos nossos irmãos ao longo da luta dos 16 anos e da revolução que essas brincadeiras devem ter um ponto final”.

Aviso já dado. Os combatentes exigem respeito e dignidade à liderança do partido.

As ligas das mulheres e da juventude da Renamo foram também ouvidas no Conselho Nacional, tendo os dois grupos pedido mais envolvimento nos processos eleitorais.

O conselho Nacional da Renamo é o evento que prepara o congresso do partido, no qual será conhecido o candidato às presidenciais do dia 9 de Outubro.

Os jovens filiados à Renamo querem aumento da sua participação nos órgãos do partido, bem como em “posições elegíveis para as assembleias da República e Provincial, e cabeças-de-lista para governadores provinciais” nas eleições deste ano.

O pedido veio de Ivan Mazanga, presidente da Liga Nacional da Juventude da Renamo, na abertura do Conselho Nacional, que decorre na capital do país.

“(…) Deixamos, aqui, um espaço de reflexão no sentido de, nas próximas eleições, aumentar o número de jovens em posições elegíveis para as assembleias da República e Provincial, bem como cabeças-de-lista para governadores provinciais”.

No evento, Ivan Mazanga considerou que, “sem acções colectivas”, o partido se arrisca a cometer “um suicídio colectivo” e recordou que os debates no Conselho Nacional devem ter como finalidade a satisfação dos anseios dos moçambicanos, que são o “motivo da nossa existência como partido, e das expectativas dos jovens, em particular”.

O braço juvenil da “Perdiz” disse que considera o partido sua casa e os membros e simpatizantes, sua família. Por isso, “os problemas do partido, nossa família, devem ser discutidos e solucionados dentro dos órgãos (…). Do contrário, não faz sentido a sua existência”.

Igualmente, acrescentou Ivan Mazanga, “se não faz sentido a existência dos órgãos, então não faz sentido a existência” da Renamo, daí que “estar em guerra com todos os órgãos do partido, é estar em guerra contra o partido, e nós não comungamos da visão” que banaliza “os órgãos do partido a favor do egocentrismo”.

O ex-Presidente dos Estados Unidos da América e candidato às eleições deste ano, Donald Trump, manifestou no sábado o apoio a Israel, e considerou que o ataque do Irão não teria ocorrido se estivesse na Casa Branca.

Os Estados Unidos apoiam Israel!”, escreveu Trump, na sua rede social, Truth Social.

Estes comentários contrastam com as críticas recentemente expressas sobre Telavive, nas quais considerava que Israel estava a perder a guerra da comunicação pública e disse não ter a certeza se gostava da forma como o país estava a agir contra o movimento islâmico Hamas.

Os seus últimos comentários vão ao encontro do que foi expresso no sábado pelo colega conservador Mike Johnson, líder da Câmara Baixa dos Estados Unidos da América (EUA), considerando que o actual Governo contribuiu para a ofensiva iraniana.

O ataque iraniano surge como resposta a Israel pelo ataque ao consulado iraniano em Damasco, em 01 de Abril, que matou sete membros da Guarda Revolucionária Iraniana e seis sírios, além de ter destruído o edifício anexo à embaixada de Teerão, que era residência do embaixador iraniano.

O Conselho de Segurança da ONU vai reunir-se, hoje, de emergência, a pedido de Israel, após o Irão ter lançado mais de 200 drones e mísseis contra território israelita.

Tencionamos realizar a reunião amanhã [hoje] às 16h00″ (22h00 em Maputo), disse aos jornalistas um porta-voz da missão diplomática maltesa, que detém a presidência do Conselho de Segurança em Abril.

O Irão lançou na noite de sábado um ataque com drones contra Israel a partir do seu território.

Numa mensagem na rede social X, a missão iraniana junto da ONU alegou que, “de acordo com o artigo 51.º da Carta das Nações Unidas sobre a legítima defesa, a ação militar do Irão foi uma resposta à agressão do regime sionista” contra as instalações diplomáticas iranianas em Damasco.

As tensões entre os dois países subiram nas últimas semanas, depois do bombardeamento do consulado iraniano em Damasco, a 01 de Abril, no qual morreram sete membros da Guarda Revolucionária e seis cidadãos sírios.

Por: Pedrito Cambrão

É uma honra e privilégio debruçar-me sobre Desafios das IES na Pesquisa, Extensão e Inovação em Tempo de Mudanças Climáticas, tendo como foco Moçambique, hoje, hic et nunc, na Universidade Wutivi (Unitiva). Mas, é uma tarefa árdua, expressar-me em torno de um tema que mexe com o mundo, mas, sobretudo, com a sociedade moçambicana, neste exacto momento, em que as províncias do sul de Moçambique se ressentem dos efeitos da tempestade tropical Filipo e as cidades de Maputo e Matola dos efeitos devastadores das cheias.

Ademais, acho que existem pessoas mais doutas ou sábias, para uma Aula Inaugural como esta, que se inscrevem nos espaços de poderes (académico, político e cultural), que melhor podiam ministrar esta aula, e não um provinciano ou um periférico como eu. Bem, não sei qual foi a razão da escolha de um provinciano ou periférico.

Todavia, não recusei o convite ou o desafio para falar sobre este tema, pois lembrei-me de uma passagem bíblica, 1ª Carta de S. Paulo aos Coríntios, já que estamos na 8ª da Páscoa para os cristãos, que diz o seguinte: Deus escolhe o que para o mundo é loucura para envergonhar os sábios; e escolhe o que para o mundo é fraqueza para envergonhar o que é forte (1 Cor. 1, 27). Daí que, encorajado por esta passagem, e guiado pelo ditado latino, sobre autoridade Romana, que diz: Roma locuta, causa finita (Quando Roma fala, a causa termina, i.e., quando UniTiva fala, não há espaço para discussão, recusa...), aceitei com todo gosto e de bom grado este desafio.

Entretanto, peço, desde já, uma indulgência plenária antecipada, dada a possibilidade de a minha “comunicação” baldar as vossas expectativas por assumir também o primado do erro, já que errare humanum est. Procurarei ser breve, pois dizem os latintos esto brevis et placebis (Seja breve para agradar). Mas, se não for breve, procurarei não extrapolar o tempo que me foi concedido (1h), procurando, assim, ser mediano in medio virtus est (a virtude está no meio)!

Para tal, guiado por humildade académica de reconhecimento da impossibilidade metódica de captar todas as dimensões do tema, assumi como ideal dividir a minha comunicação em cinco (5) momentos: (1) Introdução; (2) definição de Mudanças Climáticas; (3) Contextualização das Mudanças Climáticas em Moçambique (4). Desafios das IES diante das Mudanças Climáticas (5) Conclusões e Sugestões.

  1. Introdução

Minhas senhoras, meus senhores, hoje, do que ontem, encontramo-nos num tempo de grandes e constantes mudanças – sociedade líquida, segundo o sociólogo Zigmunt Bauman, a era digital, cibernética, informacional, comunicacional, ou a sociedade em rede de acordo com Manuel Castells…

Nos dias de hoje, geralmente as pessoas vivem, mas não convivem; andam sobrepostas em andares dos prédios; separadas por muros; se vêm e não se olham; se conhecem e não se reconhecem; cruzam e não se encontram; consequentemente, estão desligadas umas das outras, mostrando uma autêntica incivilidade que intensifica a exclusão e a descriminação.

Por sua vez, a exclusão e a descriminação estendem-se à natureza. Ela é malcuidada, maltratada, fustigada, banalizada, destruída… O resultado da nossa falta de atenção a natureza são os diversos efeitos nefastos, nocivos, extremos do clima que vivemos. Nota-se, portanto, o sentimento de viver numa sociedade insegura (Castel, 2003)

Papa Francisco, na sua Exortação Apostólica Evangelii Gaudium (2013: 32, 52) afirma que “a humanidade vive neste momento uma viragem histórica, que podemos constatar nos progressos que se verificam em vários campos. Mas, apesar do tal progresso técnico e científico, paradoxalmente, o tema recorrente na sociedade hodierna é o da crise”.

Fala-se, hoje, da crise económico-financeira, sociopolítica, institucional, climática ou ecológica, do sujeito ou identitária, etc.    No vocabulário corrente, “crise” indica decadência, enfraquecimento, falência… Assume, assim, um significado negativo que gera decepção/raiva, manifestações de protesto/revolta ou, então, resignação e pessimismo como se tem notado, com frequência, no nosso dia-a-dia.

O sociólogo Ulrich Beck (2013) afirma que a sociedade hodierna é de risco global e de incerteza. Há vários tipos de riscos, desde os riscos sanitários: epidemias, pandemias (Covid 19, Conjuntivite…); riscos securitários: guerra Rússia-Ucrânia, Palestina-Israel, guerra no corno de África (Congo, RCA, Sudão), Insurgência/Terrorismo em Cabo Delgado)…; riscos climáticos: tempestades tropicais, ciclones, maremotos, terramotos, cheias, secas…. entre tantos outros riscos.

Na sua Encíclica Laudato Si, nº 2, sobre a Casa Comum (Natureza, Meio Ambiente, Planeta, ecossistema), Papa Francisco diz que “Crescemos a pensar que éramos seus proprietários e dominadores, autorizados a saqueá-la. (…) Esquecemo-nos de que nós mesmos somos terra. O nosso corpo é constituído pelos elementos do planeta; o seu ar permite-nos respirar, e a sua água vivifica-nos e restaura-nos”.

  1. Mudanças Climáticas

O art.º 1 da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (CQNUMC), no seu nº 2, define mudança climática como “uma mudança do clima que é atribuída directa ou indirectamente à actividade humana que altera a composição da atmosfera global e que se soma à variabilidade climática natural observada em períodos de tempo comparáveis” (1992, p. 3).

Mudanças Climáticas constituem, assim, um dos mais graves desafios a serem enfrentados neste século, em função das consequências que o aquecimento global traz, tais como: a escassez de água potável; o aumento das inundações e do nível do mar; o aumento da temperatura média do planeta que pode desencadear longos períodos de seca; entre outras consequências. Há dúvidas que estamos em tempo de mudanças climáticas? Certamente que não. Contra facta, nulla argumentum!

Porém, embora seja difícil evitar os desastres naturais, é possível mitigar, amainar, reduzir, controlar os seus efeitos extremos. A COP27 (Conference Of the Parts, sigla em Inglês), é a 27ª reunião anual da Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Mudança Climáticas, que teve lugar no Egipto, em 2022, e buscou discutir e fazer acordos para tentar resolver o problema das mudanças climáticas.

O Secretário Geral da ONU, António Guterres, disse que “o nosso planeta ainda está na sala de emergência. Precisamos reduzir drástica e imediatamente as emissões e esta é uma questão que a COP27 não abordou”. Os países participantes da COP27 adoptaram um acordo para instituir um fundo de assistência as Nações mais pobres, denominado “Lose and Damage Fund” (perdas e danos), com o propósito de auxiliar os seus governos a responder a desastres causados pelo aquecimento global. Contudo, apesar da instituição deste fundo ser necessário, os maiores poluentes do planeta deviam ser “obrigados” a adoptar medidas de redução dos efeitos de aquecimento global, pois parece que estes continuam a enriquecer à custa da destruição do planeta, que afecta muito os mais pobres.

Como se pode depreender, a gestão de riscos de desastres e adaptação às mudanças climáticas, requer, cada vez mais, cometimento e inovação a todos os níveis no concernente à capacidade nacional de Previsão, Prevenção, Preparação, Resposta e Recuperação (3P2R).

  1. Moçambique e as Mudanças Climáticas

Moçambique é um dos países mais vulneráveis às mudanças climáticas, segundo a GermanWatch no seu Índice de Risco Climático Global, publicado em 2021. Segundo o BM, Moçambique encontra-se entre os 10 países de maior risco às mudanças climáticas e eventos extremos no mundo. Tal como outros países, Moçambique, é membro de várias convenções internacionais que buscam soluções de combate ou mitigação dos efeitos danosos das mudanças climáticas. Em 1988 a UNEP que é um programa para o meio ambiente das Nações Unidas, em coordenação com a Organização Mundial de Meteorologia (WMO), formaram o Painel Intergovernamental Sobre Mudanças Climáticas (IPCC, sigla em inglês).  O objectivo do IPCC é fornecer aos governos, em todos os níveis, informações científicas que possam usar para desenvolver políticas climáticas.

Apesar de o ano de 1988 ter sido o ano de começo sobre as reflexões profundas em torno da problemática das mudanças climáticas, foi o ano de 1994, que realmente reforçou e impulsionou várias iniciativas sobre a matéria, com a formulação da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (CQNUMC). Estes instrumentos, revolucionaram a forma como nós, enquanto humanos, passamos a olhar para a realidade do meio ambiente que nos rodeia. Outrossim, com a implementação do Acordo de Paris que é um tratado internacional juridicamente vinculativo sobre as alterações climáticas, adoptado, na altura, por 196 países na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP21), em Paris, em 2015, e que entrou em vigor em 2016, provou-se que o dossier sobre mudanças climáticas fazia parte de uma causa e preocupações comuns.

Portanto, entre estes e outros instrumentos, podemos deduzir e notar que o tratamento dos assuntos relacionados às mudanças climáticas não são uma opção, mas, sim, uma urgência e uma corrida que deve ser passada de geração para geração e região para região. Pois, as consequências da negligência do cuidado ao planeta, abatem-se sobre cada um de nós e de forma diversificada.

O objectivo nº 13 dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), exorta-nos a “tomar medidas urgentes para combater as alterações climáticas e os seus impactos”. Porém, é no ponto 13.3 do mesmo objectivo que quem trabalha no sistema de ensino/educação é chamado a colocar mais esforço e trabalho nos elementos da pesquisa, extensão e inovação, cujo os argumentos em si são mais ilustrativos: “melhorar a educação, a sensibilização e a capacidade humana e institucional sobre a mitigação das alterações climáticas, a adaptação, a redução do impacto e a alerta precoce” (United Nations).

Minhas senhoras e meus senhores, amável comunidade académica, Moçambique, devido a sua localização geográfica, é ciclicamente afectado por eventos climáticos extremos que se traduziram em ciclones e tempestades, como foram os casos de: Ciclones tropicais Idai, Kenneth, Guambe, Eloise, Freddy; Tempestades tropicais moderadas como Ana e Chalane; e há pouco tempo (justamente este ano) a Tempestade tropical Filipo que afectou a zona sul do país, para além das enxurradas cujo efeitos ainda se ressentem.

Estes eventos causaram danos a mais de 10 milhões de pessoas e provocaram perdas na economia nacional, o que faz com que o Governo procure medidas ou soluções urgentes de resposta. É nesta procura de soluções urgentes, que o Governo de Moçambique aprovou o Fundo de Gestão de Calamidades, uma das medidas estabelecidas para responder aos eventos extremos das mudanças climáticas.

Todavia, o Governo, não conseguindo cobrir todas as perdas e projectos de reconstrução e recuperação nas zonas afectadas, optou por contratar um seguro para cobrir danos decorrentes de Ciclones Tropicais e Precipitação, através da EMOSE, em parceria com o BM e a União Africana. É o Seguro Paramétrico de Índices Climáticos ou Seguro Soberano Contra Desastres. Este Seguro visa minimizar o custo e optimizar o tempo para financiamento pós-desastre sem comprometer metas de desenvolvimento e estabilidade financeira e bem-estar.

Por outras palavras, partindo do pressuposto de que Moçambique é propenso a ameaças de ocorrência de ciclones e outros eventos extremos, achou-se que deveria existir mecanismos de financiamento flexíveis, a serem activados em situações de catástrofes com impactos e danos significativos.

O Governo estabeleceu para este tipo de Seguro uma série de legislações e acções, entre elas, duas iniciativas: em 2017, o Plano Director de Redução de Riscos e Desastres; e em 2022, o Plano Financeiro contra Desastres. E ainda está em preparação uma apólice para materialização da contratação deste Seguro, pois traz consigo alguns desafios, a saber: processo longo e moroso; matéria nova, complexa e de especialidade.

É de salientar que, embora seja uma abordagem inovadora, é preciso deixar claro que é uma resposta temporária e não definitiva. Por isso, não devem ser esquecidos ou negligenciados os planos de contingência, mitigação, prevenção.

Neste mesmo diapasão, havendo necessidade de reforçar as medidas institucionais para a prevenção, mitigação e resposta aos impactos negativos dos eventos climáticos extremos, bem como da acção do homem no meio ambiente, visando a adaptação e criação de resiliência necessária, através Resolução nº 15/2023 de 24 de Abril, foi criada, pelo Conselho de Ministros, a Comissão Técnico-Científica sobre Mudanças Climáticas (CTCMC), um órgão de consulta e assessoria técnica ao Governo de Moçambique, que tem por objecto o apoio à prevenção, adaptação e mitigação às Mudanças Climáticas.

Todavia, apesar de existirem, no país, diversos instrumentos legais aprovados ao nível central e em cooperação com os diversos parceiros de implementação de medidas combativas às Mudanças Climáticas, é preciso que se passe da ortodoxia à ortopráxis, pois como dita o adágio popular: de boas intenções está o inferno cheio.

Por exemplo, olhando para as cheias, que são derivadas das chuvas ou descargas por via de abertura de barragens ou comportas, e as vezes pelos países vizinhos, é preciso criar bacias de retenção de águas, como uma das melhores estratégias para as cidades que têm contacto directo com o mar.

No Japão, por exemplo, devido a ciclos de cheias, já passam décadas sem que as cidades fiquem inundadas, pois o governo criou uma central de retenção de água da chuva e quando pára de chover, toda água vai para o mar. É um país atingido por outros fenómenos como vulcões, maremotos, terramotos, mas já controla o fenómeno das cheias…

A cidade de Maputo cresce em projecção geométrica, mas as soluções são dadas na aritmética. Isto é, há muitas construções desordenadas sem obedecer o código de postura urbana, que implicaria criar canais de escoamento das águas para desaguar no mar…  Beira, por exemplo, tem uma bacia de retenção de água e há perspectiva de mais outras. Todavia, há o problema de educação cívica ou a falta de conscientização do conceito de cidadania, pois as valetas de drenagem/escoamento são usadas como lixeiras e as águas ficam estagnadas, acrescido ao problema de falta de remoção continua dos resíduos sólidos ou falta de manutenção destas valetas.

  1. Desafios das IES em Tempo de Mudanças Climáticas

5.1. Instituições de Ensino Superior em Moçambique

As IES enfrentam um momento crítico em sua trajetória, marcado pelos desafios impostos pelas mudanças climáticas. Neste contexto, a pesquisa, a extensão e a inovação emergem como ferramentas fundamentais para enfrentar os impactos crescentes desse fenómeno global. Então, como pensar no papel das Instituições do Ensino Superior na Pesquisa, Extensão e inovação num contexto como o de Moçambique, onde somos confrontados com os impactos devastadores de ciclones e cheias recorrentes? 

Antes de mais, permitam-me questionar, o que são IES? O que me ocorreu de imediato, foi Universidade, já que fui convidado por uma universidade, a UniTiva (aquela que tem o conhecimento, o saber… como a sua razão de ser e de existir, e que completou há dias 16 anos da sua existência. É mérito. Parabéns a UniTiva). Mas, afinal, o que é uma Universidade?

Bem, a palavra “Universidade” tem a sua etimologia no termo latino “universitas”, que significa “totalidade”, “conjunto” ou “universalidade”.  Correia e Castro (2021) na sua obra a Função social da Universidade: diálogos além-fronteiras, procuram compreender o seu significado. No contexto académico medieval (idade média), uma universidade era uma comunidade de estudiosos e professores que se reuniam para compartilhar conhecimento e se envolver em actividades de ensino e pesquisa. Com o tempo, o termo evoluiu para se referir especificamente às IES que oferecem uma ampla gama de disciplinas académicas e programas de estudo.

A ideia por trás do termo é que uma Universidade é um lugar onde o conhecimento é abrangente e abarca várias áreas do saber. Portanto, a palavra “universidade” carrega na sua origem a ideia de uma comunidade intelectual reunida para a busca do conhecimento e da educação em diversos campos do conhecimento.

Os mesmos autores supracitados, Correia e Castro (2021), olham para as universidades como lugares do dever ser e do devir a ser (transformação). Elas se cultivam nos horizontes da profecia, do professorado e da esperança. Profecia, pois, estas instituições deveriam ser leitoras inteligentes da realidade, elas são aquelas que propheme – isto é, são aquelas que põem a palavra adiante, que anteveem; Professorado porque são aquelas que profari, isto é, são aquelas que falam publicamente; Esperança porque é nelas que as gerações são formadas, que os discentes se tornam discípulos, constroem o presente amanhecido do mundo da vida.

Que ilações podemos tirar dessa passagem destes autores?

Minhas senhoras, meus senhores e amável comunidade académica, as proposituras destes autores levam-nos a reflexões profundas sobre o papel das Instituições do Ensino Superior, na sociedade contemporânea.

Em primeiro lugar, é ressaltada a importância de assumirem uma postura profética, capaz de antecipar e interpretar os desafios e tendências emergentes da sociedade. Elas têm o dever de utilizar o conhecimento e a pesquisa para prever e compreender as mudanças que ocorrem no mundo e no dia a dia.

Em segundo lugar, destaca-se o papel do professorado dentro dessas instituições. Não se trata apenas de transmitir conhecimento em sala de aula, mas também de disseminar ideias publicamente, promovendo o debate, o pensamento crítico, a livre expressão e compartilhando perspectivas.

Por fim, a passagem lembra-nos que as universidades são mais do que meros locais de aprendizagem; são verdadeiros berços de esperança para o futuro. É nelas que as gerações são formadas e moldadas, preparadas para enfrentar os desafios que os esperam no mundo.

Diante do que ouvimos e aprendemos destes autores, um dos desafios das IES, sobretudo das universidades, é ler os sinais dos tempos, compreendê-los e respondê-los. No caso da questão das mudanças climáticas, as IES são chamadas a educar sobre os processos relacionados a estas mudanças e a sua relação com o desenvolvimento sustentável, que são, neste século, um compromisso que preocupa o mundo e os governos, em particular.

Nesses moldes, percebe-se, segundo Reimeres (2021, p.v.) que, “a mudança climática é provavelmente uma das questões globais mais controversas dos últimos 50 anos, e a educação sobre mudanças climáticas, como outras formas de educação ambiental, provou ser desafiadora de implementar […]”.

Minhas senhoras, meus senhores, amável comunidade académica, enquanto, por um lado, o contexto histórico que envolve o assunto sobre mudanças climáticas, revela-se pertinente e fascinante, do outro lado, a nossa missão, enquanto fazedores do ensino superior, é de compreender não só os desafios que as IES têm ou podem ter no seguimento dessas políticas, mas, sobretudo, como essas instituições impactam ou podem impactar o ambiente local onde estão instaladas, na mitigação desta problemática de nível local e global.

Para compreender os desafios enfrentados pelas IES, precisamos saber, que iniciativas as IES desenvolvem sobre esta temática? Esta pergunta, mesmo se tivesse resposta imediata, continuaríamos perguntando sobre o tipo ou modelo de cooperação que o Governo tem desenvolvido com as IES nas diversas iniciativas e dificuldades que têm sobre este assunto, bem como a cooperação que as IES estabelecem com o sector privado ou empresas?

É facto, que os nossos currículos não tratam a problemática de mudanças climáticas com profundidade. Se aparece no currículo, o que está programado não passa de uma simples aula teórica. Sendo assim, podemos afirmar que, as IES têm muitos desafios, desde a formação do pessoal sobre mudanças climáticas, financiamento para pesquisas, investimentos e modelos adequados para a realidade de Moçambique, e, sobremaneira, como transmitir mensagens aos estudantes e a comunidade, que sejam facilmente impactantes, acolhidas e postas em prática.

5.2. Desafios do múnus das IES em Tempo de Mudanças Climáticas

As IES e de Pesquisa não podem ficar indiferentes ao que se passa no mundo, a moda tradicional, distantes e distintos, ou seja, tradicionalistas e elitistas (fechadas no seu canto ou nos seus muros), pois, como diz o diplomata Stéphane Hessel (2011) “a indiferença é a pior das atitudes humanas”.

Por sua vez, Papa Francisco (2013), fala da necessidade de se combater, com vigor e rigor, a globalização da indiferença, visto que, assiste-se, hoje, a um ritmo frenético, uma mudança social proporcionada por novos modos de vida, caracterizados por incerteza e risco global (Beck, 2013), acrescido de “novos” riscos provocados pela acção humana sobre a natureza, um fenómeno que desafia a nossa constante análise, reflexão e produção teórica.

É reconhecido que no Ensino Superior, a investigação científica constitui a base legitimadora do que se ensina e pilar estruturador que sustenta as práticas pedagógicas e a qualidade dos serviços educativos prestados às pessoas e às comunidades. Nesse contexto, a investigação científica exerce um papel fundamental para criação de soluções dos demais problemas da sociedade, tendo a universidade, como principal ambiente de geração e difusão do conhecimento.

Sem investigação não há inovação, e sem inovação não há produção de novos conhecimentos para a melhoria da competitividade de processos e serviços de base científica, tecnológica e social. Portanto, O objectivo primordial de uma investigação é produzir um novo conhecimento, ou analisar, sistematizar, o que já existe, tendo em vista a sua inovação, modernização ou actualização. A investigação é o trampolim para o desenvolvimento da ciência. E esta (ciência), por sua vez, é o trampolim para a inovação tecnológica e, por via disso, para o desenvolvimento sustentável.

O Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior tem exortado para que as IES, e não só, promovam investigações multidisciplinares e multi-participativas (nunca uno, raro duo, sempre tres), que contribuam para melhoria da vida dos moçambicanos, através da criação da riqueza, fruto da inovação científica e tecnológica.

Em termos de política, a Investigação Científica é norteada pela Política de Ciência e Tecnologia, aprovada pelo Conselho de Ministros – Resolução nº 23/2003, de 22 Julho – cujo objectivo geral é “desenvolver um sistema integrado de produção e de gestão do conhecimento virado para as necessidades nacionais de forma a impulsionar o desenvolvimento sustentável do país” (p. 77).

Infelizmente, a investigação e a extensão enfrentam vários desafios, a falta de financiamento a altura, a melhoria da qualidade do produto da investigação, a efectivação do controlo de execução e disseminação de resultados, a definição institucional da conduta ética, a eficiência na gestão administrativa e financeira de projectos e nos mecanismos de prestação de contas, entre outros.

Para além destas limitações, comuns ao resto do mundo, também temos o desafio da pouca valorização da investigação científica! Por exemplo, alguns doutorados que deviam estar a liderar equipas de investigação ficam “perdidos” em política partidária, em funções de gestão administrativa nas instituições do Estado, ou conduzindo consultorias em ONG’s, etc! Poucos são os que conduzem pesquisa para a qual foram treinados/formados.

Não só os doutorados/professores não estão disponíveis para liderar equipas de investigação, mas também os docentes e investigadores juniores, que deviam estar a trabalhar como assistentes de pesquisa, não estão disponíveis! Por um lado, porque estão sobrecarregados com as várias turmas que devem leccionar, e por outro, porque não têm motivação para a investigação, pois preferem andar de instituição em instituição a leccionar, visto que dá mais algo/incremento… para os bolsos.

Outro aspecto, não menos importante, é que há falta de cultura científica na académia moçambicana, pelos motivos que atrás mencionei de falta de investimento, mas também de falta de capacitação das instituições ou do seu pessoal. Gostava de salientar que, é possível conduzir pesquisas científicas só com base na revisão bibliográfica/documental, analisando dados, informações, conhecimentos prévios sobre o problema a respeito do qual se procura a resposta. Porém, há que criar mínimas condições ou incentivos para tal.

Minhas senhoras, meus senhores, amável comunidade académica, um dos desafios mais prementes em tempo de mudanças climáticas, no nosso país, é o abate desenfreado de árvores para a produção de carvão, que têm um impacto significativo no meio ambiente.

Convencer aqueles que dependem dessas actividades para sua subsistência de que é necessário preservar as florestas e acabar ou reduzir a produção de carvão é uma tarefa árdua.

A vivência testemunha que sem a produção de carvão muitas famílias passarão fome, tornando-se um dilema complexo entre a sobrevivência imediata e a sustentabilidade ambiental a longo prazo. Então, como convencer estas famílias que a prática que os sustenta não é sustentável?

O rápido crescimento demográfico e a migração contínua das áreas rurais para as cidades também representam um desafio significativo para o desenvolvimento sustentável em Moçambique. Muitas pessoas, sobretudo os jovens, deixam o campo em busca de melhores condições de vida nas cidades, levando à sobrecarga das infraestruturas urbanas e ao aumento da pressão sobre o acesso a terra para construção, levando estes a ocuparem espaços impróprios prejudicando assim o meio ambiente (temos exemplos de mangais que são devastados para construção, nas cidades da Quelimane, Beira e Maputo).

Sendo assim, diante da emergência imposta pelos impactos associados às mudanças do clima, a questão climática deve ser uma componente prioritária na planificação universitária. Neste cenário, os gestores e pesquisadores universitários têm o papel central de organizar e incentivar acções e respostas para tal desafio. Pois, para ao alcance da Resiliência e/ou Adaptação Climática é necessário explorar e investir no conhecimento, tanto no científico bem como nos saberes locais. É com base no produto desse conhecimento que é possível projectar e construir infra-estruturas resistentes e seguras, ou melhor, dar respostas ao binómio crescimento versus sustentabilidade.

Portanto, as IES, hoje do que nunca, são convidadas, através da pesquisa, no âmbito de economia circular a desenhar soluções para adapatação climática, através do desenvolvimento de: Planos de Adaptação as Mudanças Climáticas; 
Desenho de Mapas de Riscos; 
Capacitação e Formação Técnica sobre Mudanças Climáticas, entre outras iniciativas.

Neste trabalho, os parceiros de cooperação e o sector privado são indispensáveis na busca de recursos para promoção da resiliência das comunidades rurais, e não só. Falando de cooperação com o sector privado, é de destacar que esta relação propicia a superação da insuficiência das fontes de recursos financeiros, materiais, já que, hoje, não temos o welfare state (Estado social), mas a welfare mix society (Sociedade-providência). Estes recursos advindos das empresas permitem manter a tríade universitária: pesquisa, extensão e inovação.

E mais, esta relação facilita: a obtenção de conhecimentos práticos sobre os problemas existentes; a incorporação de novas informações nos processos de ensino, pesquisa e inovação; e o aumento da relevância da pesquisa académica, com visão mais próxima da realidade.

Minhas Senhoras, meus Senhores, amável comunidade académica, recentemente, as cidades de Maputo, Gaza e Inhambane mostraram-nos cenários que as IES devem intervir e trabalhar no sentido de compreender as razões de pouca segurança quando os eventos climáticos se fazem entre nós. É verdade que os eventos climáticos são desastres naturais, não podemos facilmente travá-los. Mas, podemos evitá-los desenvolvendo mecanismos a priori, que não provoquem tais efeitos nefastos.

Daqui a meses, alguns distritos destas províncias, e não só, sobremaneira as zonas áridas e semi-áridas, serão afectadas pelo o fenómeno El Nino, que vai provocar meses estiagem ou seca. Eis aqui, um dossier que deve ser estudado para amainar os efeitos nocivos deste fenómeno. Como podemos notar, as IES têm mais do que um desafio nesta temática.

  1. Conclusões

As sociedades modernas enfrentam um distanciamento interpessoal e uma desconexão com a natureza, o que leva a desafios ambientais. As mudanças climáticas estão exacerbando problemas existentes, como migração climática, destruição de infraestrutura e perda de vidas. A solução para os desastres naturais decorrentes das mudanças climáticas requer acções sinérgicas e inovação.

Distintos convidados, amável comunidade académica, a pesquisa académica sempre foi uma força motriz no avanço do conhecimento humano. No entanto, diante das mudanças climáticas, os desafios se intensificam. A complexidade dos fenómenos climáticos exige abordagens interdisciplinares e colaborativas. As universidades enfrentam o desafio de promover e financiar pesquisas que abordem não apenas as causas e os efeitos das mudanças climáticas, mas também as soluções e estratégias de adaptação.

Filosoficamente, a pesquisa pode ser vista como uma jornada rumo ao desconhecido, uma busca incessante pelo entendimento mais profundo da natureza e do mundo que nos cerca. Nesse sentido, as mudanças climáticas representam um desafio filosófico em si, convidando-nos a questionar nossas próprias percepções e entendimentos sobre o ambiente e o nosso papel nele.

A extensão universitária desempenha um papel fundamental na aplicação prática do conhecimento académico. Em tempos de mudanças climáticas, a importância da extensão se torna ainda mais evidente. As universidades precisam se envolver activamente com as comunidades locais, oferecendo suporte técnico, compartilhando conhecimento e promovendo práticas sustentáveis.

As universidades, como instituições de conhecimento e aprendizado, têm o dever moral de retribuir à sociedade que as sustenta. Ao se envolverem com as comunidades, as universidades não apenas cumprem esse dever, mas também fortalecem os laços de solidariedade e colaboração entre os diferentes segmentos da sociedade.

Em tempo de mudanças climáticas, a necessidade de inovação se torna mais premente. As universidades têm a responsabilidade de desenvolver tecnologias e soluções inovadoras que possam mitigar os impactos das mudanças climáticas e promover a sustentabilidade ambiental.

As Universidades como instituições de produção do conhecimento com objectivos na Pesquisa, Extensão e Inovação têm uma responsabilidade de divulgação de conhecimentos e informações sobre as mudanças, trazendo à tona temas como: não às queimadas descontroladas, não ao desmatamento, não a mineração desenfreada; mas, sim a necessidade de (re)arborização ou recuperação da floresta; a obrigatoriedade do reordenamento territorial; o respeito pela biodiversidade, etc.

Portanto, mais do que desafios, as IES devem encontrar nestes acontecimentos, oportunidades para estudar e investigar, fazer extensão e desenvolver a inovação. Ou seja, elas têm um papel crucial na abordagem das mudanças climáticas através da pesquisa, extensão e inovação.

IES devem pensar, pesquisar e propor as suas produções aos stakeholders/governantes para a sua materialização, pois estes têm recursos ou podem mobilizá-los. Por outras palavras, as IES devem ser os braços direitos ou consultores especiais e indispensáveis do Governo.

Sugestões

Diante dos desafios apresentados, achamos que as condições sine qua non para se levar a bom porto o múnus universitário (Pesquisa, Extensão e Inovação) em tempo de mudanças climáticas são:

  1. Integração a temática das mudanças climáticas nos currículos das IES de forma transversal e efectiva, garantindo, assim, que os estudantes estejam preparados para lidar com os desafios ambientais actuais e futuros;
  2. Incentivo e apoio a pesquisa científica interdisciplinar e aplicada relacionada às mudanças climáticas, contribuindo para a produção de conhecimento e soluções inovadoras.
  • Investimento na formação e capacitação de professores e estudantes para que estejam aptos a compreender, analisar e actuar de forma efectiva, promovendo a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade.
  1. Integração da temática das mudanças climáticas em todos os subsistemas ou níveis de ensino para capacitar os alunos e/ou estudantes a agir proactivamente.
  2. Estabelecimento de laboratório ou centros de demonstração prática para atrair os melhores investigadores a contribuir para o desenvolvimento sustentável.
  3. Promoção de campanhas de coleta selectiva de lixo: para facilitar a redução, reaproveitemento e reciclagem de materiais como: papel, alumínio, plástico, vidro, ferro, borracha etc e Tratamento de esgotos industriais e domésticos para que não sejam jogados em rios, lagos e mares;
  • Conscientização para substituição gradual dos meios de transportes individuais por coletivos ou transporte solidário bem como a criação de ciclovias para permitir a utilização de bicicletas como meio de transporte alternativo.
  • Educação para preferência pelos biocombustíveis (etanol, biodiesel) a combustíveis fósseis (gasolina, óleo diesel); Educação para produção e consumo de alimentos orgânicos: produzidos sem uso de agrotóxicos sintéticos, transgênicos ou fertilizantes químicos.
  1. Propositura para implantação da técnica do telhado verde ou Ecotelhado (aplicação e uso de solo e vegetação sobre uma camada impermeável, geralmente instalada na cobertura de residências, fábricas, escritórios e outras edificações).
  2. Conscientização para o investimento no reflorestamento ou rearborização e na conservação de áreas naturais; incentivo no uso de energias renováveis não convencionais (solar, eólica, biomassa e pequenas centrais hidroelétricas);

A guisa de conclusão, gostava de citar Luís Vaz de Camões: “mudam-se os tempos, mudam-se as vontades; muda-se o ser, muda-se a confiança; todo o mundo é composto de mudança, tomando sempre novas e melhores qualidades“. Então, distintos convidados, amável comunidade académica, minhas senhoras e meus senhores, é urgente a mudança ou a tomada de consciência sobre os efeitos nefastos ou extremos das mudanças climáticas, pois corremos o risco de perder a causa, como disse Martin Luther King:

ou vivemos todos juntos como irmãos, ou morremos todos juntos como idiotas”.

São Francisco de Assis, declarado Patrono da Ecologia pela Organização das Nações Unidas, em 1978, diz o seguinte: “comece fazendo o necessário, depois o que é possível, e, por fim você estará fazendo o impossível”. Portanto, apesar das dificuldades, nada de rendição, vamos à luta. E, noutra passagem, o mesmo Santo admoesta aos seus confrades, dizendo: “irmãos, até agora, fizemos pouco ou nada. Recomecemos”.  Alias, como Dino Foi, Director da Fundação Tzu Chi Foundation Mozambique: “em Moçambique, ainda é possível”.

Como dizem os latinos: “in veritas scientia est” (é na ciência que está a verdade) e “facere scientiam est veritatem invenire et eam comunicare (fazer ciência é descobrir a verdade e comunicá-la). É neste espírito de descobrir a verdade e comunicá-la que as IES se devem guiar. Só assim, estarão a cumprir a sua missão de Pesquisar, Inovar e Comunicar. Portanto, é hora para dizer: scolares et intellectuales, surge et ambula (Academicos e intelectuais, levantem-se e andem).

 

Ad vobis totus, pela atenção dispensada, gratia tante!

Autoridades ucranianas reconheceram, hoje, que a situação na guerra está a deteriorar-se consideravelmente, com a intensificação dos ataques russos. O exército russo reivindicou a tomada de uma localidade perto de Avdiivka, a este da Ucrânia,

O comandante das Forças Armadas ucranianas revelou que a Rússia avança em ChasivYar, cidade onde a situação é considerada tensa e difícil, estando sujeita a constantes ataques. 

O Ministério da Defesa russo, por seu turno,  avançou que os seus soldados “libertaram” Pervomaiske da Ucrânia.

Mais de 3.000 trabalhadores mineiros na indústria do ouro na África do Sul estão em risco de ficar em pobreza extrema na sequência da nova reestruturação da mineradora Sibanye-Stillwater.

A mineradora sul-africana Sibanye-Stillwater, anunciou a redução das suas operações e serviços de mineração de ouro na África do Sul, facto que poderá afectar 3.107 funcionários e 915 empreiteiros. A decisão de  redução das suas operações surge na sequência da incapacidade de gestão da empresa, o que está a causar uma grave instabilidade no sector do ouro.

Em março, a mineradora sul-africana reportou um prejuízo anual de dois mil milhões de dólares, em 2023 por não ter conseguido atingir a produção planeada nas minas de ouro Beatrix 1, e a fábrica Kloof 2 que, após o encerramento do poço Kloof 4 durante 2023 teve material de processamento insuficiente disponível para colmatar despesas gerais.

Com esta medida a empresa visa colmatar perdas de produção registadas nas minas de ouro Beatrix 1 e a fábrica Kloof 2, situadas nas províncias sul-africanas de Estado Livre e Gauteng, que empregam mais de 18 mil trabalhadores.

Para o sindicato dos metalúrgicos da África do Sul a reestruturação da sul-africana Sibanye-Stillwater, um dos principais produtores de ouro e minério do mundo, mergulhará vários trabalhadores mineiros na pobreza.

Pelo menos 120 pessoas morreram e cerca de 15 mil foram deslocadas devido às fortes chuvas que atingiram diferentes partes do Quénia, segundo a Organização das Nações Unidas

As fortes chuvas e inundações repentinas que atingiram diferentes partes do Quénia estão a causar perdas humanas e destruição de várias infraestruturas no país. Pelo menos 120  pessoas morreram e cerca de 15 mil pessoas estão deslocadas devido às intempéries

Cinco das principais estradas daquele país foram cortadas pelas inundações, incluindo a Garissa Road, no norte do Quénia, onde um autocarro que transportava 51 passageiros foi arrastado pelas águas.

Os dados indicam ainda que nove dos 47 distritos do país foram afectados pelo deslizamentos de terra nas regiões centrais.

A agência de gestão de catástrofes do Quénia emitiu um alerta de cheias aos residentes próximos do rio Tana, depois de as inundações terem rompido barragens a montante.

Nas épocas chuvosas anteriores do Quênia foram registradas milhares de mortos por inundações. Segundo os meteorologistas, a estação chuvosa em curso deverá atingir o pico no final de abril e diminuir em junho.

Por: Hélder Nhamaze

 

Heródoto, um geógrafo de Halicarnasso, recebeu o título de “Pai da História” pelo Orador Romano Cícero, graças à sua detalhada descrição das Guerras Greco-Persas. Dessa forma dava-se início ao estudo e documentação sistemática do passado humano. O estabelecimento da História como uma disciplina académica e como uma prática científica particular, não foi feito sem os obstáculos epistemológicos que circundam esses processos. Várias foram as correntes que se posicionaram sobre o objecto de estudo da História, linhas de pensamento que questionaram o lugar do sujeito do conhecimento na ciência histórica, ou criticaram a validade das fontes históricas usadas em períodos ou lugares determinados.

Por volta de 1840 o filósofo e ensaísta Escocês Thomas Carlyle lançou aquela que viria a ser conhecida como a Teoria do Grande Homem. Segundo ela a História pode ser amplamente explicada pelo impacto de grandes homens ou heróis, indivíduos altamente influentes e únicos que, devido aos seus atributos naturais, como intelecto superior, coragem heróica ou inspiração divina; têm um efeito histórico decisivo. Nas suas próprias palavras “A história do mundo é apenas a biografia dos grandes homens”1. Essa corrente historiográfica viria ser rebatida pela chamada História Vista de Baixo, também conhecida por História Popular, cunhada por Lucien Febvre em 1932. Na visão desta última a construção da História deveria ter como base as “pessoas comuns”, os oprimidos, os pobres e os excluídos; grupos até então nunca inclusos na narrativa da História.

Porque é que iniciamos com este longo intróito sobre a História? Porque esse é precisamente o cruzamento onde nos coloca Adelino Timóteo com este seu “Jorge Jardim: O Ano do Adeus ao Ultramar”. Timóteo nos resgata uma figura multidimensional, se formos parcimoniosos nas palavras. Ficam dúvidas se se está perante um “grande homem” ou um “homem comum”, se se trata de um nacionalista ou um ambicioso colonialista, um maquiavélico monstro ou um visionário sem igual. Ao nos apresentar “O Ano do Adeus ao Ultramar” com uma riqueza de fontes, relatos e narrativas inéditas, Adelino Timóteo obriga a que à entrada do nosso meio século de vida como Nação formalmente independente componhamos o nosso quadro histórico.

A Historiografia de Moçambique possui algumas características que são bastante peculiares, e nalguns casos únicas. O processo de erecção de uma nova Nação teve os seus alicerces num processo de legitimação do Partido-Estado através de uma epopeia libertadora, que João Paulo Borges Coelho designa de Roteiro da Libertação2. A luta pela independência nacional da qual resultou um regime de partido único, implicou igualmente que a sua história tivesse que se revestir de tons monolíticos que eram operacionalizados como instrumentos políticos e ideológicos de exercício de poder.

Tal como acontecera com os Estados-Nação Europeus alguns séculos antes, Moçambique ergueu-se por cima de uma narrativa histórica precisa. Uma epopeia fundacional que continha uma identificação clara de quem foram os heróis, quem foram os “traidores”, quais foram os eventos marcantes, que conquistas e vitórias foram alcançadas e em que circunstâncias houve massacres e assassinatos, com os seus respectivos mártires. Apesar de poder haver mérito em discutir-se e submeter-se ao crivo da veracidade cada um desses elementos, o aspecto mais impactante da historiografia Moçambicana aí patente é a sua pobreza. Não é tão relevante onde e quando se deu o primeiro tiro da Luta Armada de Libertação Nacional, como o é o facto de não haver uma pluralidade de fontes e recursos que possam ser usados para aferir tal facto.

Essa é uma grande lacuna que Adelino Timóteo contribui para suplantar com o seu “O Ano do Adeus ao Ultramar”. Probabilisticamente inspirado por Chimamanda Ngozi Adichie e o seu “Perigo de Uma História Única”, Timóteo nos narra sobre o fim do colonialismo a partir de um ângulo diferente daquele único paradigmático e dominante a que a maioria de nós teve acesso. Com testemunhos e documentos inéditos a obra enriquece a nossa memória colectiva desse período, e aguça a nossa compreensão de vários processos subsequentes.

Moçambique está em vias de completar meio século de vida. Essa etapa marcante da nossa vida como “Comunidade de Destino”, nas palavras do nosso filósofo mor, deve coincidir com uma reflexão sobre a nossa História, o nosso Património e a nossa Identidade. Essa reflexão deve ser feita de forma aberta, franca, sincera e inclusiva, mantendo sempre o princípio da comunhão de Destino (o povo sempre diz “Estamos Juntos”). Temos que olhar para a nossa História de frente e coabitar com ela incluindo os momentos menos gloriosos, de derrota ou simplesmente complexos e problemáticos; para deles aprendermos. E talvez depois desse exercício encontraremos a resposta para a pergunta sobre porque é que estamos a ter tantas dificuldades em definir o nosso Futuro.

Geração para a Nação

Kudumba Root

Muito obrigado!

 

Referências

  1. Carlyle, T (1897) Heroes and Hero worship. New York: The Macmillian Company.
  2. Coelho, J (2019) “Política e História Contemporânea em Moçambique: Dez Notas Epistemológicas” in Revista de História, N. 178.

*Notas apresentadas no lançamento de Jorge Jardim: o ano do adeus ao ultramar, de Adelino Timóteo,  no dia 11 de Abril de 2024

 

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